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terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Cartas de amor


Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
dessas cartas de amor
É que são
ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
ridículas.)

De um dos heterónimos de Fernando Pessoa: Álvaro de Campos.

3 comentários:

mia disse...

Muito bonito!!!


Receita de ano novo


Para você ganhar belíssimo Ano Novo

cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,

Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido

(mal vivido talvez ou sem sentido)

para você ganhar um ano

não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,

mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;

novo até no coração das coisas menos percebidas

(a começar pelo seu interior)

novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,

mas com ele se come, se passeia,

se ama, se compreende, se trabalha,

você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,

não precisa expedir nem receber mensagens

(planta recebe mensagens?

passa telegramas?)


Não precisa

fazer lista de boas intenções

para arquivá-las na gaveta.

Não precisa chorar arrependido

pelas besteiras consumidas

nem parvamente acreditar

que por decreto de esperança

a partir de janeiro as coisas mudem

e seja tudo claridade, recompensa,

justiça entre os homens e as nações,

liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,

direitos respeitados, começando

pelo direito augusto de viver.


Para ganhar um Ano Novo

que mereça este nome,

você, meu caro, tem de merecê-lo,

tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,

mas tente, experimente, consciente.

É dentro de você que o Ano Novo

cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade

Ana Coelho disse...

Momento poético com um dos poemas que muito gosto de Ferneando pessoa, bela escolha.

Beijos

Marta Vasil (pseud.de Rita Carrapato) disse...

Conheço bem este poema, não está fora de moda, acho que jamais estará. Foi uma boa escolha.
Há um livro de Mário Zambujal com o título Já não se escrevem cartas de amor. Conheces?

bjs

MV