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terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Quando tudo aconteceu ...





António Aleixo nasce em 18 de Fevereiro de 1899 em Vila Real de Santo António e falece em 16 de Novembro de 1949 em Loulé.

Foi guardador de cabras, cantor popular de feira em feira, soldado, polícia, tecelão, servente de pedreiro em França, “poeta cauteleiro”.

Apesar de semi-analfabeto deixa a seguinte obra escrita que o Dr. Joaquim Magalhães teve o cuidado de passar a limpo: «Este livro que vos deixo», «O Auto do Curandeiro», «O Auto da Vida e da Morte», o incompleto «O Auto do Ti Jaquim» e «Inéditos».
Em homenagem ao Poeta e à sua obra, no parque da cidade de Loulé foi levantado um monumento frente ao “Café Calcinha”, local outrora frequentado pelo Poeta.
O antigo Liceu de Portimão passou a chamar-se Escola Secundária Poeta António Aleixo.
Há alguns anos também passou a existir uma «Fundação António Aleixo» com sede em Loulé e que já usufrui do Estatuto de Utilidade Pública, o que lhe permite atribuir bolsas de estudo aos mais carenciados.

JOÃO DE DEUS E "A VIDA"

Um outro poeta algarvio, não do litoral mas da meia-encosta - S. Bartolomeu de Messines - nascido em 1830 e falecido em 1896, de seu nome João de Deus Ramos, escrevera “A VIDA”, elegia que talvez seja a sua obra-prima. Transcrevem-se alguns trechos dessa elegia:

A vida é o dia de hoje,
A vida é ai que mal soa,
A vida é sombra que foge,
A vida é nuvem que voa;
A vida é sonho tão leve
Que se desfaz como a neve
E como o fumo se esvai;
A vida dura um momento,
Mais leve que o pensamento,
A vida leva-a o vento,
A vida é folha que cai!
A vida é flor na corrente,
A vida é sopro suave,
A vida é estrela cadente,
Voa mais leve que a ave;
Nuvem que o vento nos ares,
Onda que o vento nos mares,
Uma após outra lançou.
A vida - pena caída
Da asa de ave ferida -
De vale em vale impelida
A vida o vento a levou!
(...)

Repetições, elipses, mudança brusca do sentido gramatical de uma palavra, exclamações, improvisações à viola sobre o cancioneiro popular e estudantil (de Coimbra), poesia simples e expressevidade rítmica. Com este material tão pobre, ou nada se faz, ou então é-se arrastado e navega-se pela torrente do cancioneiro popular. Por intuição, João de Deus aproxima-se de Camões, de Petrarca e Dante, vai mesmo beber os versículos da Bíblia. Mas isso porque é um homem letrado. Pergunto: e quem não bebeu das letras impressas, quem não passou horas numa biblioteca a folhear livros? Simplicidade verbal... Seja! Mas estará este remansoso ribeirinho ao alcance de quem nele queira simplesmente navegar?

UMA CORRENTE ALGARVIA

No Algarve, na primeira metade do século XX, irrompe uma poderosa corrente do cancioneiro popular português, a qual recebe o nome do poeta semi-analfabeto que lhe abre as comportas: António Aleixo. Quem apontou essa corrente foram o artista plástico Tóssan e o professor de liceu Joaquim Magalhães. Aleixo diverte-se com a ocorrência:

Não há nenhum milionário
que seja feliz como eu:
tenho como secretário
um professor do liceu.

Não pára de rir das circunstâncias em que vive e até da sua própria aparência. E quanto mais ri mais certeira vai sendo a pontaria de Aleixo:

Sei que pareço um ladrão...
mas há muitos que eu conheço
que, sem parecer o que são,
são aquilo que eu pareço.

Brinca até com a sua profissão de “cauteleiro”:

De vender a sorte grande,
confesso, não tenho pena;
que a roda ande ou desande
eu tenho sempre a pequena.

Ribanceira abaixo, aí vem a corrente de Aleixo, cachão contra as injustiças (lembremo-nos que estamos em plena ditadura salazarista, em que impera a Censura):

És feliz, vives na alta
e eu de ratos como a cobra.
Porquê? Porque tens de sobra
o pão que a tantos faz falta.

Insiste:

Quem nada tem, nada come;
e ao pé de quem tem comer,
se disser que tem fome,
comete um crime, sem querer.

Esta quadra abrange certamente a dor que o poeta sente por não poder atender às necessidades de uma filha sua que está a morrer, tuberculosa. O poeta conclui:

Eu não tenho vistas largas
nem grande sabedoria,
mas dão-me as horas amargas
Lições de Filosofia.

Tentam aliciá-lo a aceitar mansamente o sofrimento. O poeta comenta:

P'ra a mentira ser segura
e atingir profundidade,
tem de trazer à mistura
qualquer coisa de verdade.

Mas logo reage:

Que importa perder a vida
em luta contra a traição,
se a razão, mesmo vencida
não deixa de ser Razão.

Reforça:

Embora os meus olhos sejam
os mais pequenos do Mundo,
o que importa é que eles vejam
o que os homens são no fundo.

Ri:

Uma mosca sem valor
poisa c’o a mesma alegria
na careca de um doutor
como em qualquer porcaria
.

Aleixo dá uma guinada, faz o balanço da sua vida:

Fui polícia, fui soldado,
estive fora da nação;
vendo jogo, guardo gado,
só me falta ser ladrão.

Volta a apontar o dedo às injustiças:

Co'o mundo pouco te importas
porque julgas ver direito.
Como há-de ver coisas tortas
quem só vê o seu proveito?


À guerra não ligues meia,
porque alguns grandes da terra,
vendo a guerra em terra alheia,
não querem que acabe a guerra.



Vós que lá do vosso império
prometeis um mundo novo,
calai-vos, que pode o povo
q'rer um mundo novo a sério.

Aleixo compreende até o motivo que lhe permite ver sempre ao longe:

Não é só na grande terra
que os poetas cantam bem:
os rouxinóis são da serra
e cantam como ninguém

Ser artista é ser alguém!
Que bonito é ser artista...
Ver as coisas mais além
do que alcança a nossa vista!

Torrente algarvia! Melhor dizendo: lusitana! Nada consegue detê-la. Começou a fluir em cachão quando a língua portuguesa, de norte para sul, brotou na ponta ocidental da Península Ibérica.

Texto de apresentação de
Fernando Correia da Silva

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

A morte




A morte vem de longe
do fundo dos céus
vem para os meus olhos
virá para os teus
desce das estrelas
das brancas estrelas
as loucas estrelas
transfugas de Deus
chega impressentida
nunca inesperada
ela que é na vida
a grande esperada!
A desesperada
do amor fratricida
dos homens, ai! dos homens
que matam a morte
por medo da vida.

Vinicius de Moraes

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Memórias


O vento trouxe-me
o teu cheiro.
Abri a janela
do mundo
e encontrei-te
em poema.
Passeei pelos caminhos
dos teus versos,
segui as letras
que deixaste
espalhadas no chão.
E encontrei-nos
no fim...das tuas palavras.
Fecho os olhos
e sinto...
as tuas mãos firmes
na minha pele,
o entrelaçar
das tuas pernas
nas minhas...
Vejo os contornos
do teu corpo,
oiço a tua respiração
ofegante...
Deixo-me levar
por memórias
tão distantes,
de momentos nossos...
tão marcantes...
Vanda Paz

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Um cheirinho de alecrim


Há dias em que tem-se a impressão de se estar dentro de um espesso nevoeiro. Tudo parece monótono e difícil e o coração fica triste. É a noite escura da alma.Era meu aniversário e justamente um destes dias estranhos, quando uma voz interior me disse: - "Você precisa tomar chá de alecrim". Fui ao jardim e lá estava nosso viçoso pé de alecrim. Interessante é que quase todos que visitam nossos jardins demonstram afeição e respeito pelo alecrim. Confesso que nunca liguei muito para ele.Mas, naquele dia, com toda reverência, colhi alguns ramos, preparei um chá e o servi em uma linda xícara. O aroma era muito agradável e, a cada gole que bebia, senti a mente ir clareando. Uma sensação de bem-estar e alegria foi se espalhando pelo corpo e senti enorme felicidade no coração.Fiquei muito impressionada com a capacidade dessa planta transmitir alegria.Aliás, o nome alecrim já lembra alegria. Resolvi pesquisar a respeito e - veja só que maravilha!O alecrim - Rosmarinos officinalis, planta nativa da região mediterrânea - foi muito apreciado na Idade Média e no Renascimento, aparecendo em várias fórmulas, inclusive a "Água da Rainha da Hungria", famosa solução rejuvenescedora. Elisabeth da Hungria recebeu, aos 72 anos, a receita de um anjo (um monge?) quando estava paralítica e sofria de gota. Com o uso do preparado, recobrou a saúde, a beleza e a alegria. O rei da Polónia chegou a pedi-la em casamento! Madame de Sévigné recomendava água de alecrim contra a tristeza, para recuperar a alegria. Rudolf Steiner afirmava que o alecrim é, acima de tudo, uma planta calorífera que fortalece o centro vital e age em todo o organismo. Além disso, equilibra a temperatura do sangue e, através dele, de todo o corpo.Por isso é recomendado contra anemia, menstruação insuficiente e problemas de irrigação sanguínea. Também actua no fígado.E uma melhor irrigação dos órgãos estimula o metabolismo. Um ex-viciado em drogas revelou que tivera uma visão de Jesus que o tornou capaz de livrar-se do vício. Jesus lhe sugeria que tomasse chá de alecrim para regenerar e limpar as células do corpo, pois o alecrim continha todas as cores do arco-íris. O alecrim é digestivo e sudorífero.Ajuda a assimilação do açúcar (no diabetes) e é indicado para recompor o sistema nervoso após uma longa actividade intelectual. É recomendado para a queda de cabelo, caspa, cuidados com a pele, lesões e queimaduras; para curar resfriados e bronquites, para cansaço mental e estafa; ainda para perda de memória, aumentando a capacidade de aprendizado. Existe uma graciosa lenda a respeito do alecrim:Quando Maria fugiu para o Egipto, levando no colo o menino Jesus, as flores do caminho iam se abrindo à medida que a sagrada família passava por elas. O lilás ergueu seus galhos orgulhosos e emplumados, o lírio abriu seu cálice.O alecrim, sem pétalas nem beleza, entristeceu lamentando não poder agradar o menino.Cansada, Maria parou à beira do rio e, enquanto a criança dormia, lavou suas roupinhas. Em seguida, olhou a seu redor, procurando um lugar para estendê-las."O lírio quebrará sob o peso, e o lilás é alto demais".Colocou-as então sobre o alecrim e ele suspirou de alegria, agradeceu de coração a nova oportunidade e as sustentou ao sol durante toda a manhã. "Obrigada, gentil alecrim" - disse Maria."Daqui por diante ostentarás flores azuis para recordarem o manto azul que estou usando. E não apenas flores te dou em agradecimento, mas todos os galhos que sustentaram as roupas do pequeno Jesus, serão aromáticos. Eu abençoo folha, caule e flor, que a partir deste instante terão aroma de santidade e emanarão alegria."

Lúcia Helena dos Santos

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Estado da mente que compreende


A consciência é produto do tempo; o pensamento está alicerçado no tempo, e o que o pensamento produz está sempre na sujeição do tempo. Assim, o homem que deseja livrar-se do sofrimento, precisará livrar-se do "conhecido" - o que significa que precisará compreender toda essa estrutura da consciência. E pode-se compreendê-la por meio da análise, que é também um "processo" de- pensamento? Que significa "compreender uma coisa"? Qual o estado da mente que compreende? Estou falando sobre compreender, e não sobre aquilo que se compreende. Entendeis o que quero dizer? Estou investigando o estado da mente que diz "compreendo". A compreensão é resultado de pensamento e dedução? Examinais uma coisa crítica, razoável, sã e logicamente e dizeis depois "compreendo-a"? Ou a compreensão é coisa de todo diferente? Outro dia, quando aquele senhor perguntou "Qual a verdadeira função do pensamento?" - deveis lembrar-vos de que falamos sobre a "resposta" da mente a "desafio". Quando a pergunta nos é familiar, a resposta é imediata. Quando um pouco mais complicada, ou obscura, a resposta leva tempo, pois nesta demora estais a pensar, a rebuscar na memória, para depois responderdes, tal como os computadores, por associação. Uma pergunta mais complicada requer intervalo maior ainda. Ora, estas três "respostas", que naquele dia chamamos (a), (b) e (c), constituem, todas, partes do "processo" do pensamento, e se acham no campo do "conhecido". Dentro desse campo, pode-se produzir, pode-se inventar, pode-se pintar quadros, fazer as coisas mais extraordinárias, até mesmo ir à Lua; nada disso, porém, é criação. Essa perene busca de grandes feitos e de expressão pessoal é de todo em todo pueril, pelo menos para mim.
Ora, estar livre de tudo isso é estar livre do "conhecido"; é o estado da mente que diz: "Não sei" - e não está procurando resposta. Essa mente se acha, toda ela, num estado, de "não-procura", de "não-expectativa"; e só nesse estado pode-se dizer "compreendo". É o único estado em que a mente é livre, e desse estado podeis olhar as coisas conhecidas - mas não vice-versa. Do conhecido não tendes possibilidade de ver o desconhecido; mas, uma vez compreendido o estado da mente que é livre, ou seja a mente que diz "não sei" e permanece "não sabendo" e é, por conseguinte, "inocente" - então, desse estado, podeis "funcionar", ser cidadão, homem casado, etc. Então, o que fazeis tem cabimento, tem significação na vida. Mas, nós permanecemos no campo do conhecido, com todos os seus conflitos, lutas, disputas, agonias, e, desse campo, queremos encontrar o "desconhecido". Por conseguinte, não estamos verdadeiramente em busca da liberdade. O que queremos é a continuação, o prolongamento da mesma velharia: do conhecido."
Jiddu Krishnamurti

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Quando partires ...


Queres partir,
mas dizes com nostalgia.
Uso o espanto,
provoco o silêncio.
Penso
e compreendo!
Esse não era o caminho;
outro haverá!
Procura e luta.
Nada acontece por magia,
a Luz virá:
... quando partires
deixa-me o teu rasto …


José Manuel Brazão

domingo, 6 de janeiro de 2008

Chuva e lágrimas


Ouço chuva,
muita chuva!
Vou até à janela
e vejo:
Salpicos de água,
que parecem lágrimas
escorrendo pela minha face.
Olho o horizonte
que meus olhos alcançam:
tudo me parece tristeza;
ninguém na rua.
Vêm ao meu pensamento,
os que não têm casa
e que andam por aí …
A mãe natureza,
enviou chuva,
para lavarem:
as suas mágoas,
as suas angústias,
as suas esperanças vãs.
Parou a chuva,
mas pela minha face,
vão escorrendo lágrimas …

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Ao rosto vulgar dos dias



Monstros e homens lado a lado,
Não à margem, mas na própria vida.
Absurdos monstros que circulam
Quase honestamente.
Homens atormentados, divididos, fracos.
Homens fortes, unidos, temperados.
Ao rosto vulgar dos dias,
A vida cada vez mais corrente,
As imagens regressam já experimentadas,
Quotidianas, razoáveis, surpreendentes.

Alexandre O'Neill

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Adeus solidão


Recebo, semanalmente, textos de Alexandra Solnado e resolvi escolher o que passarei a publicar e que achei adequado para início do ano 2008:
A SOLIDÃO
A solidão não existe. A solidão é tão-somente medo do eu. Medo de si próprio. O ser humano anda há tantos séculos a prestar atenção aos outros: o que dizem, o que pensam, o que acham, o que julgam, que não desenvolve o hábito de olhar para dentro. Sentir-se por dentro. Lembras-te: «Vocês não são o que pensam, são o que sentem»?Claro que o ego também não ajuda, está sempre a dizer-te o que deves ou não fazer. E se reparares, são sempre indicações para fazeres ou pensares coisas fora de ti. Sempre fora de ti. Sempre relacionadas com os outros.Conclusão: começa a haver um abismo entre o que tu és e o que tu pensas que és.É muito mais prático achares que és uma série de coisas. Se essas coisas forem politicamente correctas vão dar-te imenso jeito. Mas esqueces-te de que existe um ser aí dentro que quer e precisa de existir, que tem vida própria, às vezes até muito mais desconcertante do que te daria jeito admitir. Esse ser és tu e não há como negar. Quanto mais sentes esse ser que és a querer existir, maior é a tendência de te esconderes por detrás dos outros.Vou dizer-te uma coisa. Por mais absurdo que pareça, é muito mais fácil sermos o que esperam de nós, do que sermos nós próprios. Porque ao seres o que esperam de ti não entras em conflito com ninguém, não desiludes ninguém, enfim, a tua vida fica muito mais fácil de viver... com os outros. O problema é que se torna cada vez mais difícil viveres contigo própria. E porquê? Porque ao seres - ou tentares ser - o que esperam de ti, não contas com uma frequência energética fortíssima que não aceita ser contrariada. O teu eu. A tua alma. O teu ser. A tua essência.A solidão não existe. O que existe é o Universo a retirar todas as pessoas do teu caminho para definitivamente te encontrares com o teu interior. O retorno ao ambiente mágico do teu interior. E esse ambiente, quanto mais vivido for, mais mágico se torna.


Alexandra Solnado