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domingo, 16 de agosto de 2009

O homem, a mulher de porcelana e o cão


Era tarde quente espelhada no mar. O homem, apanhava silêncios para acalmar um dia intenso de praia, de miúdos e das vozes rasgadas da mulher e da sogra que falavam até do nada. O whisky novo sabia-lhe ao melhor whisky quando acompanhado da quietude dos últimos raios de sol. Chamou-lhe então a atenção um olhar de maresia que o encharcava de ansiedade. Mulher bonita, delicada, uma virgem de porcelana, pensou. Gestos lentos e sedutores. O homem sorriu. Ela respondeu-lhe com um sorriso triste de mulher abandonada. Ele, convidou-a para uma bebida com um gesto tímido. O cão apercebendo-se levantou-se e foi cheirar-lhe o aroma de homem de família. Deitou-se, por fim, descansando o focinho nas patas e a vida nos olhos. A mulher acenou, consentindo a companhia. A conversa era lenta, depressa o calor das vozes se entrelaçaram pela vontade de um beijo prolongado. Inquieto, o peito sentia a avareza de saltar barreiras e viver o momento. Ela, com voz tímida e melancólica de fazer corar poetas, convocava a loucura do desejo. O cão levantou-se, era hora, o tempo que passara era o tempo exacto. O homem acompanhou a mulher que o deixava seguir a seu lado. À porta, rasgou-se-lhe um sorriso de malícia acompanhado de um olhar embriagado, ele, seguiu-a, como hipnotizado pelo cheiro do cio. Finalmente, o beijo, o calor, o corpo, a nudez, o sexo… tudo num momento tão curto como o cair da noite. Intensos foram os gemidos selvagens, daquela boca de mar, acompanhados do uivar do cão, que estava sentado em posição de ataque aos pés da cama. Cansada, pediu-lhe que antes de se ir embora lhe trouxesse as compras que ficaram na mercearia por baixo da casa. Ele, isolado ainda pelo sonho, desceu a escada, pagou a mercearia e deixou-a na cozinha daquela mulher, que não era virgem, mas que ainda lhe parecia uma boneca de porcelana, deitada e vestida de uma pele branca sem limites. Saiu para a vida de peito cheio e saciado da ilusão de uma paixão carente de ternura. Na tarde seguinte, num mesmo tempo de uma hora exacta, chegou acompanhado da ansiedade ainda verde de tão nova que era. Lá estavam, ela e o cão, num quadro magnífico de tons de sol quente a refrescar-se de mar. O cão caminhou até ele e cheirou-o, depois foi até à borda do passeio e esperou, ela levantou-se, sorriu-lhe com o olhar e seguiram os três em procissão como um funeral, mas para uma alcova já cansada pelo final de mais um dia. Primeiro o beijo, depois o calor, o corpo, a nudez, o sexo, os gemidos selvagens e o uivar do cão… o momento poderia ser mais extenso, mas a porcelana selvagem de ternura estava cansada, de novo a mercearia, um adeus rápido na despedida e a promessa da volta. Mas a pressa era grande, a imensidade das horas tornavam o sol teimoso na hora da deita. No dia seguinte chegou mais cedo, a mesa estava vazia, nem a amante, nem o cão. Entornou-se, desajeitado e a medo, pela pequena rua da sua casa. A senhora da mercearia, carregada de anos, colocava o saco da sua porcelana selvagem à porta, enquanto o cão uivava sem parar. As faces enrijaram-se, o desejo caiu e o sorriso tornou-se defunto. Saía-lhe a raiva pelos poros, por não ter entendido logo os gestos do cão. A tarde caía lenta. Ao terceiro whisky voltou mais uma página da sua vida. Agora, caminha pelo sentimento em branco.

Vanda Paz

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