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sexta-feira, 25 de abril de 2008

Desespero e esperança



" Vejo-me agora em desespero, pensei em suicidar-me, mas por uma ou outra razão não posso fazê-lo. Para esquecer, para me entorpecer, tenho feito de tudo, menos lançar-me ao rio, e não tive uma só noite bem dormida, nestes últimos dois meses. Vejo-me em plena escuridão; é uma crise que foge ao meu controle e que não possso compreender; sinto-me desorientada."
Cobriu o rosto com as mãos, e pouco depois continuou :
" Não é um desespero susceptível de remediar ou apagar. Com a morte de meu cônjuge, todas as esperanças morreram. Os amigos diziam que eu esqueceria e tornaria casar-me, ou faria algo de outra natureza. Mesmo que eu pudesse esquecer, a chama está apagada; não pode ser substituída e nem desejo achar substituto para ela. Vivemos e morremos com a esperança, mas eu não tenho nenhuma. Minha vida é a morte em vida e não desejo simpatia, nem amor, nem piedade de ninguém. Quero permanecer em minha escuridão, sem sensibilidade e sem lembranças. "
Foi para isso que viestes procurar-me, para vos tornardes mais embotada, para vos firmardes mais em vosso desespero ? É isso que desejais ? Se é, então tereis o que desejais. O desejo é tão flexível e veloz como a mente; é capaz de ajustar-se a qualquer coisa, adaptar-se a qualquer circunstância, construir muralhas impenetráveis à luz. O próprio desespero faz-lhe deleite. O desejo cria a imagem que quer adorar. Se desejais viver na escuridão, consegui-lo-eis. Foi por esta razão que viestes, para vos fortalecerdes em vosso desejo ?
" Vede senhor, um amigo falou-me a vosso respeito e vim impulsivamente. Se eu me detivesse a pensar, provavelmente não teria vindo. Se me perguntais por que vim, direi que realmente não sei. Parece que todos precisamos de uma certa esperança; não se pode viver perpetuamente na escuridão . "
O que está unificado não pode ser dissolvido; o que está integrado não pode ser destruído; se há fusão, a morte não pode dissolvê-la. Não há integração com outrem, porém com si próprio e dentro de si próprio. A fusão das entidades diferentes , em nós mesmos, faz-nos completos com a outra. Mas estar completo com outro é estar incompleto. A entidade ' integrada ' não é tornada completa com outra; porque é completa, está sempre num 'estado completo ', em todas as relações; o que é incompleto não se pode tornar completo numa relação. É ilusão pensarmos que nos tornamos completos com outro.
"Ele me fazia completa. Conheci a beleza e as alegrias desse estado ".
Mas esse estado terminou. Há sempre um terminar para o que é incompleto. A fusão com outra entidade é sempre frágil; deixa de existir constantemente. A integração deve começar dentro de nós mesmos, e só então a fusão é indestrutível. O caminho da integração é o processo do pensar negativo, a mais alta compreensão. Estais buscando a ' integração ' ?
" Não sei o que estou buscando, mas desejo compreender a esperança, porque a esperança parece desempenhar um papel muito importante em nossa vida. Quando ele era vivo, nunca pensei no futuro, na esperança, ou na felicidade. Vivia, simplesmente, sem cuidados. "
Porque éreis feliz. Mas agora a infelicidade, a insatisfação está criando o futuro, a esperança - ou o seu oposto, o desespero. É estranho isso, não ? Quando somos felizes, o tempo é inexistente, o ontem e o amanhã estão completamente ausentes; não se pensa nem no passado nem no futuro. Mas a infelicidade cria a esperança e o desespero.
" Nós nascemos com a esperança e levamo-la connosco até a morte '.
Exactamente. Nascemos desgraçados e a esperança nos acompanha até a morte. Que entendeis por ' esperança ‘?
"A esperança é o amanhã, o futuro, a ânsia de felicidade, de dias melhores, de progresso pessoal; é o desejo de ter uma casa melhor, um rádio melhor; é o sonho de uma ordem social melhor, de um mundo mais feliz, etc. "
A esperança só está no futuro ? A esperança não está também no que foi, no bojo do passado ? A esperança está tanto no movimento regressivo como no movimento progressivo do pensamento. A esperança é o ' processo ' do tempo, não é ? A esperança é o desejo de continuação do que é agradável, do que é susceptível de melhoria; e o seu oposto é a desesperança, o desespero. Dizemos que vivemos porque existe a esperança, e a esperança está no passado ou, mais frequentemente, no futuro. O futuro é a esperança de todo político, todo reformador e revolucionário, e de todo aquele que busca a virtude e aquilo que chamamos Deus. Dizemos que vivemos pela esperança, mas é verdade ? É viver, quando o futuro ou o passado nos domina ? Viver é um movimento do passado para o futuro ? Quando existe a preocupação do amanhã estais vivendo ? É porque o amanhã se tornou tão importante que existe a desesperança, o desespero. Se o futuro é da mais alta importância e vivemos para ele e por ele, então o passado é o portador do desespero. Pela esperança do amanhã sacrificais o hoje; mas a felicidade só se acha agora. Os infelizes é que enchem as suas vidas com a preocupação do amanhã, a que chamam esperança. Viver feliz é viver sem esperança. O homem que se deu à esperança, não é um homem feliz; ele conhece o desespero. O estado de desesperança projecta ' a esperança ou o ressentimento, o desespero ou o futuro feliz.
"Quereis dizer que devemos viver sem esperança ? "
Não existe um estado que não é nem de esperança nem de desesperança, um estado que é felicidade suprema ? Quando vos consideráveis feliz, não tinheis esperança, não é verdade ?
"Percebo o que quereis dizer....Só estamos livres da esperança quando somos felizes. É quando nos vemos infelizes, enfermos, oprimidos, explorados, é então que o amanhã se torna importante; e se o amanhã é impossível, ficamos numa escuridão completa, num estado de desespero. Mas, como permanecer no estado de felicidade ? "
Em primeiro lugar, é preciso perceber a verdade a respeito da esperança e da desesperança. Vede como tendes sido dominada pelo falso, pela ilusão da esperança, e depois pelo desespero. Ficai passivamente vigilante desse processo - o que não é tão fácil como parece. Perguntais como permanecer no estado de felicidade. Esta pergunta não está baseada essencialmente na esperança ? Desejais recuperar o que perdestes ou de certa maneira possuí-lo de novo. Esta pergunta denota desejo de ganho, de ' vir - a - ser ', 'chegar', não ? Quando se tem um objectivo, um fim em vista, existe a esperança; e, assim, ficais de novo emaranhada na rede de vossa infelicidade. O caminho da esperança é o caminho do futuro, mas a felicidade não é uma questão de tempo. Quando éreis feliz, nunca perguntastes como continuar nessa felicidade; se o tivésseis perguntado, já teríeis provado o sabor da infelicidade.
"Quereis dizer que esse problema só surge quando nos vemos num estado de conflito, de sofrimento ? Mas quando somos desgraçados, queremos naturalmente sair desse estado. "
O desejo de encontrar saída só acarreta um novo problema. Pela falta de compreensão de um problema criam-se muitos outros problemas. Vosso problema é a infelicidade, e para compreendê-la precisais estar livre de todos os outros problemas. A infelicidade é o único problema que tendes; não vos façais confusa criando um novo problema : o como libertar-vos da infelicidade. A mente está a buscar uma esperança, uma solução para o problema, uma saída. Vede a falsidade de uma tal fuga, e estareis então em contacto directo com o problema. É essa relação directa com o problema que produz uma crise, que temos sempre muito interesse em evitar; mas é só na plenitude e na intensidade dessa crise que o problema deixa de existir.
"Desde aquele acidente fatal, pensei que devia abismar-me completamente no meu desespero, alimentar a minha própria desesperança; mas isso , não sei por que, se tornou superior às minhas forças. Vejo agora que tenho de enfrentar esse estado, sem medo e sem nenhum sentimento de deslealdade para com ele. Porque eu sentia, muito no meu íntimo, que de certo modo seria desleal para com ele, se continuasse a ser feliz; mas agora o peso começa a aliviar-se, e pressinto uma felicidade que não pertence ao tempo."


Dialogo com Krishnamurti

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